Peter Brook – Tocando de ouvido

No fim da guerra, havia um pianista belga que se mudara para Londres. Um dia eu o visitei antes de um concerto. Ele estava praticando, sentado ao piano, sem ter notas diante de si, somente um exemplar cuidadosamente aberto do Evening News, que ele lia com satisfação. Sua filha estava sentada ao lado dele, com a partitura aberta no colo. Se em algum momento seu pai cometia um erro, ela o corrigia. Vi naquela hora que o ditado com o qual eu tinha crescido – “a prática leva à perfeição “ era de todo falso. A prática é arar e regar o solo; o florescimento só vai acontecer se ouvirmos dentro de nós outra frase que carrega tudo que precisamos saber. “Preste atenção “. No caso do meu amigo concertista toda sua atenção estava tomada pelas notícias do dia, daí os erros. Mas a verdadeira atenção é o que permite ao acrobata que rodopia no ar colocar seu pé sem errar aquele mínimo pedaço de segurança oferecido pelo ombro do seu companheiro.
A vida de uma forma não pode ser imposta. Regentes e intérpretes que repetem o que funcionou no dia anterior já estão carregando em sua ação o beijo da morte. A escolha é entre o mortal e o vivente.

Bibliografia:

Peter Brook – Tocando de Ouvido – Edições Sesc São Paulo – Páginas 28 e 29

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