Isso aconteceu um ano antes da morte do Sr.Gurdjieff na rua Colonels Renard em 1948.
Envelhecido e debilitado pela progressão inexorável de sua enfermidade, porém George Ivanovitch tinha ao seu redor um círculo de alunos que aumentava sem cessar e que naturalmente se ofereciam para brindar a sua ajuda em diversas circunstâncias. Numerosos fiéis vindos da América do Norte, da Inglaterra ou de outras partes, sentindo que talvez o Sr Gurdjieff se aproximasse do final, estavam disponíveis para viver, como dizem os hindus, em seu “Darshan”.
Como era o seu costume, o Sr. Gurdjieff recebia generosamente todas essas pessoas e gostava que todas elas tivessem um lugar em sua mesa. Eram raras as refeições que, em sua pequena sala de jantar, não estivessem pelo menos 50 ou 60 pessoas.
Pode-se imaginar a quantidade de louça que circulava, o número de pratos se calcularmos 3 a 4 por pessoa – colheres – uma para salada, uma para a sopa, uma para a sobremesa – os garfos, as facas, as tigelas, os copos, as taças, sem contar os pratos para servir e numerosas panelas. Tudo isso implicava numa interminável lavagem de louça. À medida que a louça suja era levada para a cozinha, uma equipe designada – geralmente com a minha participação – as lavava e guardava imediatamente na sala de jantar. Sem querer me vangloriar, isso funcionava perfeitamente quando eu me encarregava.
Mas eis que um dia Georgii Ivanovitch me proibiu expressamente de me ocupar da louça dali em diante. Sem dúvida, quando eu via que as equipes inexperientes se atrasavam para guardar a louça limpa – antes que chegasse na cozinha a louça suja dos pratos seguintes, para que ao final do jantar toda a louça estivesse limpa e guardada – eu os ajudava discretamente. Quando havia atraso – e com as equipes improvisadas o atraso era inevitável – o Sr. Gurdjieff me vigiava de rabo de olho.
Um dia ele me surpreendeu em flagrante delito quando, na cozinha, eu me encarregava da louça. Recebi uma tal bronca que decidi que dali em diante já não o desobedeceria.
Por dois dias consegui me conter e não fui para a cozinha.
Mas no terceiro dia fiquei apreensivo pois teria 68 pessoas para o jantar.
Tarde da noite, quando os últimos convidados já tinham ido embora, dei uma olhada discreta na cozinha e vi três dos meus companheiros que trabalhavam no meio de um monte de pratos, talheres e panelas sujas. O sangue me gelou nas veias e não pude evitar de ajudar. O Sr. Gurdjieff apareceu na cozinha e na mesma hora nos convidou a abandonar o apartamento, imediatamente. Com um tom quase suplicante lhe pedi que ficasse um pouco mais para colocar tudo em ordem.
Me olhando com um gesto severo, me mandou embora com um tom que não admitia réplica. Não pude deixar de pensar – com grande preocupação – que mais de 60 pessoas estavam previstas para o almoço no dia seguinte … já era 1h15 da madrugada e eu sabia que a partir das 9 da manhã a cozinha estaria em plena efervescência.
Muito preocupado com a situação, ao sair, lhe pedi permissão para voltar cedo na manhã seguinte para terminar de lavar a louça. O Sr. Gurdjieff não respondeu e me mostrou a porta. Finalmente saí expressando com firmeza que voltaria cedo pela manhã.
Preocupado chego para a casa do Sr. Gurdjieff às 6h30 da manhã. Com medo de acordá-lo, escuto primeiro por trás na porta para saber se ele já tinha levantado. Menos de um minuto se passou quando ouço seus passos ritmados na entrada. Bato na porta. Ele se aproxima e pergunta: “Quem é?”
– Ele abre a porta e com uma expressão inocente e me pergunta qual era o motivo da minha visita tão cedo.
– Mas Georgii Ivanovitch …você bem sabe, há um verdadeiro caos na cozinha, e eu lhe prometi que viria arrumá-la.
– Muito bem ele disse e logo se afastou na direção do seu quarto.
Me precipitei para a cozinha. Tudo estava limpo, em ordem, impecável. Fique boquiaberto. Então, ouvi um chamado: “Tscheslaw, venha tomar um café”
Referência Bibliográfica
Gurdjieff, a Master in Life: Recollections of Tscheslaw Tschekhovitch