Artigo no Dossier H – Peter Brook

Gurdjieff muitas vezes usa a metáfora do ator para falar do homem plenamente desenvolvido. Fala de desempenhar um papel na vida, de responder a todas as exigências que as situações de mudança suscitam, de assumi-las plenamente, sem perder a liberdade interior. Isso é exatamente o que se espera de um bom ator.
O teatro mostra os movimentos da vida através de uma lente focalizada que os torna facilmente legíveis; é um laboratório ideal onde as ideias tomam corpo e podem ser verificadas experimentalmente.

Um bom ator nunca acredita completamente em seu personagem, enquanto um mau ator se joga de corpo e alma na sua interpretação a ponto de se perder completamente nela; frequentemente ele sai de cena convencido de ter dado o melhor de si mesmo, quando fica claro para todos que o viram que ele foi excessivo, artificial, falso. Mas ele não pode de forma alguma se dar conta porque ele é cego: não há a menor distância entre ele mesmo e a imagem que ele projeta, ele foi engolido pelo que Gurdjieff chama de “identificação”. Por outro lado, quanto melhor o ator, menos ele se identifica com seu papel. Aparente paradoxo: quanto menos ele se identifica, mais profundamente ele se engaja. Ele é como uma mão em uma luva, separado e inseparáveis. O seu papel penetra em cada uma de suas células e no entanto não o aprisiona. No interior do seu papel, ele é livre e altamente vigilante.
Um iniciante nunca pode conhecer essa liberdade, ele é prisioneiro de sua falta de jeito, dos seus medos, da sua falta de compreensão e do seu desejo de agradar. Um ator responde precisamente a isso. Em todas as escolas de teatro, seja qual for o estilo, o trabalho quotidiano é essencialmente uma busca de qualidade. Todos reconhecem isso instintivamente e expressam, no trabalho diário, com palavras simples como “está bom”, “não está tão bom”, “está melhor”, “está ruim”. Essas palavras podem se referir a exercícios corporais, ou à expressão dos sentimentos, ao ritmo da atuação, à clareza intelectual, mas invariavelmente o que se reconhece é a qualidade. O real propósito do ator, o objetivo implícito, é se alçar a uma energia mais sutil que molda e inspira sua ação. É só então, nesse momento, que o papel do ator emana a impressão de verdade.

Referência Bibliográfica

Artigo no Dossier H – Peter Brook
Uma outra dimensão : A Qualidade ( um trecho)

3 comentários em “Artigo no Dossier H – Peter Brook”

  1. Otacílio Alacran

    Uma alegria recordar agora da energia sutil materializada por esse grande artista nas peças Uma flauta Mágica e Sizwe Banzi está morto, além da paridade ao trabalho de desenvolvimento. Obras da grande arte…

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